A Bolívia vive momentos de convulsão após sete semanas de conflitos
trabalhistas e sociais, com greves e manifestações que se sucedem sem
pausa e frequentemente terminam em violência, e muitos analistas e
políticos opinam que o presidente Evo Morales se mostra incapaz de
resolvê-los.
A Fundação Milênio, centro de estudos privado que
analisa a crônica de conflito boliviana, comentou nesta sexta-feira que
Morales parece despreocupado com os conflitos porque avalia que boa
parte dos que protagonizam o caos sejam seus aliados, e o líder acredita
que "não querem derrubá-lo" do poder.
"Mas estão imobilizando-o e
o impedem de governar, além de afetar seriamente os cidadãos e
danificar seus esforços produtivos", destaca o Milênio, que registrou 80
conflitos em março e 100 em abril.
Ao término de três dias de
greve geral nesta sexta-feira, o líder da Central Operária Boliviana
(COB), maior entidade sindical do país, o mineiro Juan Carlos Trujillo,
advertiu a Morales que, se o governo continuar sem dar respostas às
reivindicações dos sindicatos, os manifestantes radicalizarão os
protestos na próxima semana.
A greve da COB, uma das maiores
bases de apoio que Morales perdeu desde que chegou ao poder em 2006,
teve pouco eco nos centros de trabalho, pois só foi total em hospitais
estatais e universidades, embora reforçada por grandes manifestações e
bloqueios de vias em várias regiões.
Trujillo classificou como
êxito as mobilizações da COB e disse que Morales "tem a obrigação de
responder favoravelmente" a suas demandas, como um aumento salarial
superior a 8% aprovado pelo líder e a derrogação do decreto que eleva a
jornada de trabalho de médicos e funcionários de saúde de seis para oito
horas.
A COB anunciou nesta sexta-feira que, na próxima semana,
haverá uma reunião de dirigentes em Oruro e poderia decidir uma greve
geral por tempo indeterminado.
Na segunda e terça-feira, os
motoristas e proprietários de transporte público paralisaram totalmente
La Paz e a cidade vizinha de El Alto, e em menor medida outros povoados,
para contestar uma nova lei de trânsito. Diante da falta de soluções,
também ameaçam retomar os protestos nos próximos dias.
A marcha
de centenas de indígenas da Amazônia contra uma estrada promovida por
Morales e financiada pelo Brasil, projetada para partir em duas a
reserva natural Tipnis, segue avançando em direção a La Paz, apesar da
fustigação do governo e de seus partidários.
Uma primeira
passeata contra essa estrada percorreu quase 600 quilômetros entre
agosto e outubro passados e conseguiu superar as barricadas de fiéis a
Morales e a repressão policial, que custou o cargo a ministros,
vice-ministros e comandantes policiais.
Os indígenas foram
recebidos em La Paz de forma triunfal e obrigaram Morales a decretar uma
lei que proíbe qualquer rodovia no Tipnis, mas o líder descumpriu sua
palavra e busca retomar as obras, que lhe custaram seus princípios de
ambientalista e indigenista.
O ministro de governo boliviano,
Carlos Romero, afirmou nesta sexta-feira que os conflitos não têm chance
de causar uma crise de governabilidade, em resposta aos políticos,
colunistas e analistas que consideram esse risco maior a cada dia.
"Há
reivindicações sociais e atores políticos que buscam se aproveitar
dessa situação. Não diria que é desestabilizadora, porque não têm
chances de provocar uma crise de governabilidade, e menos ainda uma
crise de Estado", declarou Romero à rede de televisão "Uno".
O
escritório da ONU na Bolívia manifestou preocupação porque os protestos
afetam "os direitos humanos da população", e pediu ao governo "adotar
todas as medidas a seu alcance para respeitar, proteger e garantir o
usufruto desses direitos".
"O protesto impulsionado durante mais
de 40 dias pelos trabalhadores do setor de saúde, somado a
reivindicações de outros atores sociais, está causando um impacto
significativo e preocupante sobre o direito à saúde e agrava as
persistentes falhas estruturais do sistema", diz um comunicado da ONU.
A
nota acrescenta que o conflito "tem causado protestos universitários de
apoio muito violentos, com o uso indiscriminado de dinamites, e deu
lugar a práticas pelas quais membros do setor se auto-infligiram
tratamentos físicos (crucificação, sutura da boca) equivalentes a
maus-tratos e tortura que violam a dignidade humana".
Populista e
nacionalista, Morales se limitou nesta sexta-feira a criticar os
dirigentes da COB porque, segundo ele, defendem "privilégios".
"Como
uma organização sindical, revolucionária, que usa o 'Che' (Guevara) em
seu cartaz, pode defender um grupo de privilegiados?", questionou o
governante.
Morales vive momentos de baixa popularidade, que não
terminou nem com a desapropriação de uma filial de uma empresa elétrica
espanhola no último dia 1º, quando antes as nacionalizações lhe davam
grandes índices de aprovação nas pesquisas.
Dezenas de
manifestantes bloquearam nesta sexta-feira em La Paz o acesso ao prédio
da Vice-Presidência da República, atiraram tinta contra sua fachada e
protestaram em frente ao Ministério da Saúde, embora não tenham ocorrido
choques violentos com a polícia, como em dias prévios.
Houve
também manifestações em Cochabamba, Potosí, Sucre, Tarija e Santa Cruz.
Nas duas últimas, além disso, houve bloqueios das estradas que as
rodeiam.
As vias que ligam a Bolívia a países vizinhos, como
Brasil e Argentina, foram fechadas várias vezes nas últimas semanas,
enquanto as associações de empresários se queixam das perdas bilionárias
decorrentes da inação do governo.